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A Odontologia no Brasil atual

Colunista: Braz Antunes Mattos Neto
Fonte: Publicado no Jornal A Tribuna em 25/10/03
Os graves problemas dentários da população brasileira precisam ser encarados como uma questão urgente de saúde pública. Por isso, este 25 de outubro, Dia Nacional do Cirurgião-Dentista, que marca a criação da primeira faculdade no País, em 1884, por decreto, de D. Pedro II, deve servir como motivo de comemorações, é claro. Mas também como oportunidade para se debater seriamente o papel da Odontologia no Brasil dos nossos dias e sua importância na busca da qualidade de vida melhor para as pessoas.
É notório o alto nível de especialização alcançado nos últimos tempos, bem como a vertiginosa evolução tecnológica da profissão. Agora mesmo, registra-se o transplante de mandíbola, na Itália, em casos de câncer bucal, ou a produção de dentes humanos biológicos, a partir de técnicas de clonagem, nos Estados Unidos. São avanços significativos que, certamente, darão frutos em futuro imediato. Sem contar em paralelo, com a multiplicidade da utilização de aparelhos ortodônticos e a laser, além dos implantes dentários, que trazem evidentemente ganho de qualidade nos tratamentos dodontológicos.
Mas se existe essa faceta de evolução constante, a Odontologia também exibe um lado preocupante, pois os avanços não são acompanhados por uma política firme e humanitária, capaz de levar os benefícios a toda a população. Convivemos com contrastes gritantes: O Brasil possui cerca de 140 faculdades de Odontologia, o que permite ao País formar cerca de 11% dos dentistas do mundo. Mas mantém a imagem de “o País dos desdentados”. Estima-se que mais de 30 milhões de brasileiro nunca passam por um consultório dentário.
Nunca é demais lembrar que melhorar a qualidade de vida é sinal de desenvolvimento social e que, através da Odontoglogia, é possível prevenir doenças cardíacas, problemas gástricos e até vários tipos de câncer, entre outros males que afligem a população. Como se vê, estamos sim diante de um problema de altos gastos públicos com saúde, que poderiam ser evitados.
Trata-se de uma equação matemática, envolvendo gastos desnecessários e investimentos em prevenção permanente. Cabe aos administradores públicos, em todos os níveis, o dever de agir imediatamente, estancando o desperdício e promovendo a saúde global das pessoas.
Só para lembrar: os problemas dentários são responsáveis por cerca de 29% das faltas ao trabalho, além da queda de produção dos trabalhadores, gerando prejuízos aos empregadores e à Previdência.
É triste constatar que, num período econômico que exige sacrifícios, a saúde bucal é vista como supérflua, quando deveria ser prioridade. É compreensível, diante das dificuldades financeiras da maioria da população, que os gastos com o tratamento dentário sejam sempre postergado. Mas não deixa de ser profundamente triste.
A saúde bucal precisa ter a mesma divulgação que, por exemplo, campanhas de prevenção contra o câncer ginecológico e da mama, e as hepatites. Ou mesmo os males causados pelo tabaco. Deve e merece ser colocada no mesmo nível, com igual volumes de investimentos e os mesmos cuidados. Que sejam desenvolvidas campanhas preventivas, de âmbito nacional, massivas, e ao mesmo tempo, que as emissoras de televisão promovam alertas sistemáticos, em programas e até mesmo em novelas, dentro de muita seriedade. Pois basta lembrar que infecções dentárias podem causar a morte.
Uma das soluções seria o aumento de empregos públicos para os cirurgiões-dentista, visando suprir necessidades da população nesta área. Para tanto, é preciso que os governantes tenham sensibilidade e consciência política. Infelizmente, quando a idéia é levantada, só se leva em conta o volume de investimentos exigidos.
Mas raramente a questão é encarada dentro de uma relação de custo/benefício e da importância de atendimento imediato à população carente, que não tem meios de arcar, com um tratamento nos consultórios.
Existem cerca de 180 mil cirurgiões-dentistas no Brasil. Todos os anos, milhares de novos profissionais ingressam no mercado de trabalho, geralmente concentrando-se nos grandes e médios centros urbanos. Por isso, recomenda-se um programa sério de interiorização dos recém-formados, levando atendimento a todos os cantos do País. Para tocar um plano desses, é necessário que se criem incentivos salariais adequados e boas condições de trabalho.
Mas acima de tudo, é preciso que haja consciência de que somente com a união da classe poderemos sensibilizar as autoridades governamentais, no sentido de se considerar a saúde bucal como prioridade.