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Chuveiros e economia de água

Colunista: Braz Antunes Mattos Neto
Fonte: Publicado no jornal A Tribuna em 31/8/2006
Crescemos com os pés na areia, andando, correndo, sonhando. Somos santistas e a praia é o nosso maior tesouro, nosso grande espaço de convivência, de reposição das forças e dos pensamentos. Local de contato com a natureza e motivo de reflexões oceânicas. Ponto de encontro, de sociabilização e da prática sempre saudável de diversos esportes.
Ali a democracia, a igualdade e a fraternidade são quase palpáveis. A praia a todos iguala, naquele instante preciso, naquele momento ensolarado.
Esta característica de povo que vive à beira mar faz com que absolutamente todos os temas referentes à praia, à orla, à areia e aos jardins ganhem conotação mais séria e provoquem acirradas discussões. Caminhar na praia é divino. Discutir a praia é apaixonante. Na praia lavamos costumeiramente nossas almas santistas. E na hora de ir embora, tiramos o excesso de sal e areia nos chuveirinhos. Saudável hábito totalmente incorporado à nossa cultura praiana.
Estes mesmos chuveiros, de repente, transformaram-se em motivo de discórdia, discussão, debate. Cobrar ou não cobrar, eis a questão. Tal e qual um Hamlet caiçara, dramatizo o fato e brado aos quatro cantos: cobrança, jamais!
Algumas coisas jamais poderão ser ensinadas na base da repressão ou da pressão econômica. Quem tem condições de gastar tomará quantos banhos quiser, poderá demorar o tempo que desejar e ainda irá argumentar, diante da demora e das reclamações: “Estou pagando!”. Mas algum advogado do Diabo rapidamente argumentará que serão apenas alguns centavos, nada mais, e que alguma coisa precisa ser feita para acabar com os abusos. Tal alegação encerra meia verdade e sofisma inteiro. Primeiro, pode-se recorrer à velha questão de que já pagamos impostos exatamente para que o Poder Público nos dê em troca os serviços públicos. Em tese, pode haver uma séria alegação de bi-tributação.
Segundo lugar: não se trata da quantia a ser paga mas, sim, de uma questão de princípios. Se cada vez que surgir um problema a única medida a ser adotada for mais taxação em cima da população, em breve estaremos pagando até pelo ar que respiramos. E até o ato de pagar, hoje, é taxado! A CPMF está aí para comprovar…
A praia, com todos os chuveirinhos juntos, é um bem público de uso coletivo. A praia não é um clube. Se uma cobrança for imposta (sim, a palavra é esta!), estaremos praticando uma grande discriminação contra quem não tem dinheiro. Nem todos podem pagar, digamos, pelos seus quatro ou cinco filhos que precisam usar os chuveiros. E muita gente já paga pela condução para chegar até a praia. Pagar mais ainda? Excluir mais ainda?
Não parece ser esta a tradição santista.
Será justo que os justos paguem pelos abusados?
Os conscientes pagarão pelos inconsequentes?
E perguntar é preciso: a estrutura para a instituição e contabilidade da cobrança não provocaria mais gastos, provavelmente mais elevados do que seria arrecadado?
Tudo bem, tudo certo. Mas e a questão da economia de água?
Certamente existem questões mais sérias e relevantes em matéria de desperdício, inclusive do desperdício de dinheiro público. Mas é preciso dizer : sim, é preciso economizar água e é preciso acabar com os abusos. Através da Imprensa, já houve quem escrevesse que, no final, o desperdício é bem menor do que se alega. Nada que se compare por exemplo com um vazamento de rua que fique escoando água durante um par de dias.
Investir na conscientização é necessário. Mas a mudança cultural não acontece da noite para o dia. Existe o argumento de que a água dos chuveirinhos é usada por gente de diferentes origens, que lavam ali suas roupas e utensílios. Pois bem: existe lei proibindo isso. Um folheto da Secretaria de Esportes, aliás, alerta: os chuveiros são de uso exclusivo de banhistas.
O que fica patente, para mim, é que precisamos conscientizar e fiscalizar. Falta policiamento nas praias. Faltam fiscais de Posturas. Faltam Guardas Municipais. Faltam até os Guardiões Cidadãos. O desafio, em síntese, é buscar fórmulas mais criativas para disciplinar o uso dos chuveiros, que não seja o velho hábito de, ao primeiro sinal de discórdia, onerar ainda mais a coletividade.