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Lixo: desafios e oportunidades

A gestão adequada de resíduos sólidos é uma tendência mundial irreversível. Entenda-se por resíduos, todo o lixo doméstico, efluentes industriais, rejeitos perigosos, entulhos da construção civil e materiais hospitalares usados. Há décadas, países desenvolvidos implantaram políticas que melhoraram a qualidade de vida, a saúde pública, além de ajudar na preservação dos recursos naturais. No Brasil, faz 17 anos que o Congresso Nacional tenta aprovar uma Política Nacional de Resíduos Sólidos, sem sucesso. Agora, queremos mudar essa sina e caminhar na direção das experiências internacionais bem sucedidas.

Esta convicção gera expectativa em torno do Grupo de Trabalho, suprapartidário, formado no âmbito da Câmara Federal, que será responsável por apresentar a proposta de Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Trata-se de um marco regulatório fundamental, ao estabelecer diretrizes de gestão em todo o País, reconhecendo a descentralização político-administrativa das ações e estabelecendo a responsabilidade compartilhada entre a sociedade, a iniciativa privada e o poder público.

Anualmente, produzimos 61,5 milhões de toneladas/ano de resíduos urbanos, das quais 54,4 milhões de toneladas são coletadas. Ainda de acordo com a Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, dos 5.563 municípios, 3.406 não tem uma destinação adequada do lixo.

Na cidade de São Paulo, são geradas 12 mil toneladas de lixo/dia, mas apenas 5% são reciclados. As áreas de periferia, justamente, as que mais sofrem com enchentes, epidemias e lixões, em sua maioria, estão excluídas do programa. Todos os meses são distribuídos 66 milhões de sacolinhas plásticas, que demoram 300 anos para se decompor. Pesquisa junto às 31 subprefeituras da capital paulista, feita por um jornal diário, revelou que existem 1,3 mil pontos ilegais de despejo de entulho.

A experiência como autor da lei paulista sobre a questão de resíduos sólidos, fez com que tivesse acesso a estes dados que demonstram a dimensão do problema, pois pasmem, não existem estatísticas oficiais atualizadas ou consolidadas. A necessidade de dispormos de um inventário nacional – de quanto se produz, como se transporta, quanto se trata e qual a destinação final do lixo –, é uma das prerrogativas da PNRS para elaborarmos um diagnóstico e embasar políticas públicas adequadas à realidade de cada cidade, região ou Estado.

Aos municípios, cabe elaborar um Plano de Gestão Integrada de Resíduos, que consiste na criação de um plano de varrição, de coleta seletiva, diagnóstico de produção de resíduos e outros serviços de limpeza pública, que será condição obrigatória para que recebam verbas da União para investimentos no setor.

Nas 1.971 cidades que contam com coleta seletiva, algumas já usufruem de parcerias entre cooperativas de catadores, iniciativa privada e o poder público, que serão fortalecidas com a PNRS. Cerca de 800 mil pessoas sobrevivem da catação de reciclados, com uma renda média de 1 a 1,5 salário mínimo.

Para demonstrar a importância desta atividade econômica e social, basta observar os dados da Associação Brasileira de Alumínio (ABAL). Segundo a entidade, o índice de reciclagem de latinhas chega a 95%, o que gera uma economia de energia na faixa de 1.976 GW/h por ano (0,5% do consumo no Brasil), além de ser responsável pela economia de 700 mil toneladas de bauxita, matéria-prima da alumina. Exemplos bem sucedidos como este, estimulam o princípio do Poluidor-Pagador e os instrumentos de Logística Reversa e a Análise do Ciclo de Vida do Produto, pilares da nova legislação.

O princípio do Poluidor-Pagador estabelece ao poluidor a responsabilidade pelos custos de combate à poluição, para manter o meio ambiente em estado aceitável, bem como sua melhoria. A partir deste conceito, surge a necessidade de implantarmos a Análise do Ciclo de Vida do Produto, que consiste em uma série de etapas que envolvem a produção, desde a obtenção de matérias-primas e insumos, processo produtivo, até o seu consumo e disposição final.

Já a Logística Reversa é um instrumento econômico e social, caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios, destinados a facilitar a coleta e a restituição dos resíduos por seus geradores para que sejam tratados ou reaproveitados. Neste sentido, destaco o trabalho do Inpev – Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias, a partir de uma legislação específica. Trata-se de uma entidade, sem fins lucrativos, responsável pelo transporte das embalagens vazias, a destinação final (reciclagem ou incineração) e pelo seu destino ambientalmente adequado. O comprometimento de toda a cadeia (agricultor, indústria, poder público e sistema de comercialização) é um dos pontos fortes e fator chave de sucesso do processo de destinação final de embalagens vazias. Só no ano passado, foram coletadas quase 22 mil toneladas de embalagens, que caso contrário, estariam contaminando rios, solos e animais.

O Grupo de Trabalho já realizou quatro audiências públicas sobre os temas mencionados anteriormente. A mais recente, abordou a construção de um modelo viável, a partir de instrumentos econômicos e tributários, que fomentem processos de produção mais limpos e favoreça a inovação tecnológica, no sentido de distinguir, do ponto de vista tributário, os equipamentos destinados a esta finalidade e, assim, estimule boas práticas, novas oportunidades de negócios, ciclos ecoeficientes e a geração de empregos/renda.

Também temos participado de diversos eventos para conhecer experiências, esclarecer detalhes, colher contribuições, críticas e propostas dos diversos segmentos da sociedade. Queremos construir um arcabouço jurídico com um espírito de política pública, que estabeleça responsabilidades, dissemine a elaboração de propostas municipais e seja o ponto de partida para regulamentação de práticas sustentáveis em diversos setores produtivos. A participação e o acompanhamento de toda a sociedade serão fundamentais para aprovarmos uma Política Nacional de Resíduos Sólidos exeqüível, inovadora e transformadora.