Artigos

“Perdendo o bonde”

Colunista: Arnaldo Jardim
Fonte: Deputado Arnaldo Jardim – membro da Comissão de Minas e Energia da Câmara Federal
A escalada nos preços do petróleo tem servido de estímulo para todo mundo buscar fontes alternativas de geração de energia, economicamente viáveis e ambientalmente corretas. No Brasil, apesar dos riscos de escassez baterem a nossa porta a cada período de estiagem que comprometem o nível dos reservatórios das hidroelétricas, nos damos ao luxo de subutilizar um potencial extraordinário oriundo do setor sucroalcooleiro. O resultado do primeiro leilão de energia a partir da biomassa da cana-de-açúcar deixou muito a desejar.

Digo isso, diante do potencial de produção atual, de 5,3 mil MW, dos quais 3 mil MW compõem o excedente, e das excelentes perspectivas em torno do etanol, com um volume recorde de investimentos para ampliar a produção nacional.

No leilão realizado pela Câmara de Compensação de Energia Elétrica (CCEE), as usinas sucroalcooleiras comercializaram apenas 548 MW de energia, para entrega a partir de 2009. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) esperava 2 mil MW adicionais no próximo biênio, mas só 44 usinas depuseram garantias para disputar o leilão e 31 venderam energia. Com a sobra de capacidade, muitas usinas deverão recorrer ao mercado livre, uma alternativa arriscada e para poucos, pois o lastro econômico necessário para este tipo de empreendimento requer garantias de compra no longo prazo.

Apesar de saudar a realização do leilão e a ampliação da bioeletricidade na matriz energética, lembro que as definições demoraram a sair e as condições econômicas poderiam ser melhores para ensejar uma maior participação das usinas sucroalcooleiras.

O valor médio de referência da RF (receita fixa que será recebida pelo empreendedor) atingiu o teto de R$ 157/MWh, considerado insuficiente, em meio a necessidade de novos investimentos em terras, máquinas e equipamentos para ampliar o excedente de energia a ser exportado para a rede pública de energia. Assim como, o prazo exigido para entrega da energia contratada foi considerado curto, em face aos desafios dos cronogramas de implantação dos projetos. Além das indefinições regulatórias sobre as linhas de transmissão que conectarão as usinas a rede elétrica, pois se aguarda uma definição mais precisa sobre a responsabilidade pelos custos desta conexão. Segundo regulamentação da própria Aneel, essa responsabilidade cabe às distribuidoras e transmissoras de energia.

A preocupação de que esses entraves pudessem comprometer o sucesso do leilão e afastar os investidores foi tema de audiência pública, realizada na Comissão de Minas e Energia, no último dia 24 de abril. Coordenei o debate que contou com representantes do Ministério de Minas e Energia (MME), ONS, Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo e da Associação Paulista de Cogeração de Energia (Cogen-SP). Na ocasião, diante do consenso dos presentes, encaminhei ofício ao Ministro Edison Lobão (MME) solicitando que o Leilão de Energia Reserva fosse adiado, no sentido de equacionar os entraves regulatórios de maneira estruturante, com uma visão estratégica de Estado de longo prazo. Todavia, o adiamento não foi suficiente para solucionar os problemas e ensejar uma maior participação.

Estudos da Cogen-SP, em conjunto com o ONS, a EPE, a UNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar e entidades representativas de São Paulo, Mato Grosso, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul (que juntos representam 80% da produção nacional de açúcar e álcool), identificaram que 210 empreendimentos podem atingir, até 2015, uma capacidade instalada de 15.000 MW, com uma oferta para o SIN (Sistema Interligado Nacional) superior a 10.000 MW. Em suma, temos praticamente uma Itaipu adormecida, com biomassa disponível, que poderia ser implantada em menos de 5 anos.

Já a partir deste ano, os consumidores brasileiros começarão a pagar a conta da crise de abastecimento energético registrada no início de 2008, quando o País viveu o temor de um novo apagão. O principal fator responsável pelo acréscimo nos valores das tarifas é a utilização, em excesso, de usinas termelétricas, que têm altos custos de geração, bem superiores aos custos das hidrelétricas e de outras fontes disponíveis no mercado, além de serem mais poluentes.

Normalmente, as usinas térmicas são utilizadas apenas em períodos de seca, para cobrir o buraco deixado pelas hidrelétricas. No entanto, a falta de gás natural, o baixo regime de chuvas no início do ano e a letargia dos projetos de geração de grande porte, fez com que o governo ligasse as térmicas para garantir a segurança energética. Isso gerou um custo adicional, entre janeiro e maio, que custará aos consumidores R$ 1bilhão, segundo dados computados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que serão rateados por todos.

Em meio às discussões para retomada de Angra 3, em que o governo estima gastar mais de R$ 7,3 bilhões, e dos imbróglios jurídicos e ambientais envolvendo a construção de grandes hidroelétricas, sou um defensor contumaz da bioeletricidade. Não apenas como uma alternativa, mas como uma forma complementar de geração elétrica, principalmente no período de entressafra hídrica, com potencial já instalado, investimentos garantidos e impactos ambientais infinitamente inferiores. A segurança energética é estratégica para um País que almeja crescer com sustentabilidade e a chave para alcançá-la está na diversificação da matriz energética nacional.

Por isso, estou propondo a realização de uma nova audiência pública para debater os desafios e assegurar a ampliação do uso da bioeletricidade na nossa matriz energética. O objetivo é superar os impasses regulatórios para viabilizar a realização de um novo leilão de energia de reserva, em janeiro de 2009, para contratar mais 2.000 MW/médios, ou seja, 5.000 MW de capacidade de oferta.