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Problema do Bush?

Colunista: Arnaldo Jardim
Fonte: Deputado Arnaldo Jardim – vice-líder do PPS na Câmara Federal
O estouro da bolha especulativo-financeira começou nos EUA e logo se alastrou pelo mundo, colocando em xeque as estruturas de um capitalismo que privatiza os lucros e socializa os prejuízos. Mais do que um problema de liquidez, o maior obstáculo é a crise de credibilidade que se instalou no mercado financeiro, o que nos faz questionar se o caso da Enron foi mesmo isolado. De certo é que numa economia globalizada, quando a principal potência entra em parafuso, o mundo sente os seus efeitos.

Guardadas as devidas proporções, a atual “Crise Global” pode ser didática para o Brasil, partindo do princípio de que é resultante de uma combinação do descontrole de gastos públicos e privados, brechas regulatórias do mercado, sua primazia em detrimento da produção e uma euforia consumista demasiada.

Não há dúvida de que os EUA têm uma parcela maior de responsabilidade, diante da política belicista do Governo Bush (vide as guerras do Afeganistão e do Iraque), o grande desequilíbrio da sua balança comercial, a política de juros negativos do FED (Banco Central norte-americano), na época do ex-presidente Alan Greenspan, além da pressão chinesa por insumos básicos. Todos estes fatores culminaram numa enxurrada de capital no mercado que acabou por estimular o seu descolamento dos meios de produção, criando um terreno fértil para especulação.

Assim, criou-se uma bolha especulativo-inflacionária, alimentada pelos “dólares vagabundos” que viajam atrás de do lucro fácil e que turbinaram as cotações das principais commodities (agrícolas e minerais), pressionaram para baixo a cotação da moeda norte-americana em todo o mundo e usufruíram de altas taxas de juros de países emergentes, como o Brasil.

Num primeiro momento, essa movimentação impulsionou os países em desenvolvimento. O Governo Lula sempre apostou na exuberância externa como motor principal do nosso crescimento. A forte alta nos preços dos produtos da nossa pauta de exportação gerou um aumento de renda, propiciando um ciclo de crescimento no setor privado e a ampliação de gastos no setor público. Este fenômeno mundial teve, entre outros efeitos, o aumento de fluxo de capital ao Brasil, possibilitando a expansão do crédito em nossa economia. A crise atual, portanto, coloca ambos os fatores em risco.

Para amenizar os efeitos desta crise, algo que deve ficar mais evidente no início de 2009, o Governo, o Congresso Nacional e o Banco Central precisam se debruçar na elaboração de um pacote de medidas preventivas, sobretudo em relação à questão cambial, a política de juros (que continuam os mais altos do mundo e inibem sobremaneira o setor produtivo), além da questão tributária, ainda mais agora que o crédito em todo mundo começa a escassear.

Precisamos de uma reformulação total da atual política econômica para mudar o eixo do crescimento, a começar por uma coordenação verdadeira entre políticas fiscais, monetárias e cambiais para prover ao País as fontes de poupança internas para financiar o nosso crescimento de forma sustentável.

A partir de agora, o mercado tende a ficar mais conservador e os investimentos em países emergentes ainda é considerado de risco, devido justamente ao que chamamos de “Custo Brasil”, ou seja, infra-estrutura precária, elevada incidência tributária, a falta de inventivos a exportação, frágeis marcos regulatórios e o uso de altas taxas de juros para combater a inflação.

Num primeiro momento, a revisão no câmbio será fundamental para respaldar e apoiar o fluxo das exportações diante de uma eminente queda do preço das commodities. O governo precisa utilizar o câmbio como um instrumento de desenvolvimento, por meio do fortalecimento de programas já existentes como o Proex (Programa de Crédito à Exportação) e oferecer mais linhas de Adiantamento de Contratos de Câmbio (ACC), além de elaborar um Plano de Exportação, capaz de identificar novos mercados, promover a “Marca Brasil” e buscar investir na inovação tecnológica para exportarmos produtos de maior valor agregado.

Se nos EUA um dos estopins da crise foi à inadimplência imobiliária, por aqui, o mesmo pode acontecer com as vendas a prazos, que chegam a 60 meses, para aquisição de um veículo, por exemplo. Desta maneira, o Governo torna-se cúmplice de uma política de juros perversa que estimula o crédito sem lastro que pode fomentar um surto de inadimplência.

Este governo também tem se notabilizado pelo aumento dos gastos correntes, ano a ano, o que pode comprometer a sua capacidade de investimentos, mesmo batendo recordes sucessivos de arrecadação de impostos. Ou seja, o inchaço da máquina pública pode comprometer ainda mais a liberação dos recursos para as obras estruturais do PAC.

Por isso, o controle fiscal é uma medida de extrema importância para assegurar os investimentos em infra-estrutura e das Parcerias Público Privadas (PPPs). Afinal, é preciso garantir o fluxo de investimentos e de crédito, para atender os grandes empreendimentos no plano da logística, da infra-estrutura, dos desafios da exploração de petróleo e gás que exigem investimentos fartos e a custo adequado.

O caminho é ampliar a oferta de crédito oficial, sem o comprometimento da estabilidade fiscal. Neste ponto, o BNDES pode desempenhar um papel ainda mais destacado na oferta de crédito, mas precisa reavaliar suas políticas de concessão de empréstimos sob a ótica do interesse público.

No Congresso Nacional, devemos rever não só a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) como também a LOA (Lei Orçamentária Anual), diante da previsão de desaceleração da economia, para que a execução orçamentária não enfrente os mesmos problemas do início deste ano. Além disso, os parlamentares precisam se mobilizar para a aprovação da Reforma Tributária, a Lei Geral das Agências Reguladoras e a Lei do Gás, no sentido de prover estabilidade regulatória necessária para multiplicar os investimentos do setor produtivo para mantermos o crescimento econômico.

No médio prazo, proponho ainda o abatimento da nossa dívida pública interna, que chega a 40,8% do PIB, enquanto em economias que atingiram o grau de investimento a média é de 30%. Para isso, poderíamos fazer uso das nossas reservas em moeda estrangeira (hoje, na casa de US$ 200 bilhões), para readquirir títulos da dívida interna, mantendo o aquecimento da economia e escorando uma redução pragmática dos juros.

Temos de abrir mão da “visão escapista” propagada pelo Governo. É hora de tomarmos as medidas necessárias, com a agilidade que a gravidade do momento requer, para que seus efeitos não contaminem a nossa estabilidade econômica conquistada a duras penas ao longo dos últimos 15 anos.